quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O Homem e o Mundo


Wilson, assistiu a um programa de televisão que o deixou particularmente impressionado. Um aviário totalmente automatizado, onde se fabricavam frangos idênticos aos que estava a comer. Fosse pelo que fosse, quando depois distraidamente folheava o seu livro de filosofia, não queria acreditar no que nele estava escrito:
" A relação do homem com o mundo é complexa e multifacetada. Se, por um lado, somos sempre produtoda nossa inserção e adaptação a um mundo que já aí estava antes de nós, por outro, à medida que a nossa individualidade e autonomia se vão estruturando, vamo-nos tornando seres cada vez mais activos, com capacidade de intervir, de participar, de produzir e de criar, convertendo-nos em agentes de transformação do mundo".
O que não suportava é que lhe chamassem "produto", um simples resultado de uma multiplicação ou uma combinação laboratorial de elementos químicos. Olhando-se ao espelho reconhecia semelhanças com o seu pai, e até com o seu tetra-avô. Mas tudo não passavam de vagas semelhanças. Mesmo que todo o seu corpo fosse idêntico a qualquer dos seus antepassados, na sua consciência sentia-se diferente, único. Era por isso que frequentemente se sentia um incompreendido. Estavam permanentemente a rotulá-lo, ele que não tinha rótulo nenhum! Quanto a dizerem que ele é o resultado de uma "inserção" ou "adaptação" ao meio, não passava de um disparate. Tinham observado que muitos dos seus colegas de Escola passavam pelas mesmas situações de forma muito diversa. Uns estavam sempre a moldarem-se a tudo o que viam fazer. Outros reagiam constantemente ao que lhes era proposto. Outros ainda, passavam pelas situações de tal forma, que no final pareciam que nunca as tinham vivido. Tudo dependia, pois, de cada um.
O disparate maior era todavia afirmar-se que nos vamos tornando "seres cada vez mais activos". Pegou então num lápis e escreveu no livro: "VAMOS? É MESMO OBRIGATÓRIO PARA TODOS ?".
Carlos Fontes 
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